DECISÕES MONOCRÁTICAS X DEMOCRACIA? A (ir)responsabilidade institucional em um navio chamado Brasil.

Reflexões Atuais

Não é de hoje que se discute e estuda, em centros de excelência acadêmica nacionais, a problemática ligada aos efeitos e causas de decisões monocráticas. Sejam elas oriundas do Poder Executivo, do Poder Legislativo, mas, sobretudo, do Poder Judiciário, fato é que, se, de um lado, são essenciais a funcionamentos institucionais variados, de outro, requerem uma responsabilidade institucional muito maior e mais severa. E, talvez neste aspecto, o Brasil enfrente, hoje, um dos piores e mais emblemáticos momentos de sua história democrática moderna. No âmbito do Poder Executivo, decisões individualizadas são mais comuns, até porque ligadas ao próprio funcionamento da Administração Pública brasileira. A gerência, governo e administração findam por exigir tais práticas, muito embora não se possa jamais prescindir de motivação, justificação e fundamentação de qualquer decisão. São a base para eventual controle, seja de que natureza for e, em tese, o alicerce para um mais sadio desenvolvimento e desenrolar das funções e atividades públicas. Na esfera do Poder Legislativo, tendem as decisões mais relevantes a ser calcadas em prévios atos de aprovação colegiados. Mas, de todo modo, não se pode esquecer que, apesar da tendência salientada, várias medidas individuais vêm gradativamente ganhando mais espaço em sede legislativa brasileira, máxime no tocante às que são tomadas pelas presidências de Câmara dos Deputados e Senado Federal. Mas, para os fins destas breves linhas opinativo-analíticas, a crescente individualização de decisões judiciais é o alvo, neste momento, maior de exame. Aliás, para além de seu caráter crescente, seu impacto social e institucional merece especial atenção. Voltando um pouco no tempo, quando, ainda no século passado, o advento processual do instituto da antecipação de tutela jurisdicional alterou e, nos anos que se seguiram, revolucionou o direito processual brasileiro, principalmente, mas não somente, na esfera cível, a resposta social e das mais variadas instituições brasileiras foi majoritariamente positiva: para casos de presença do fumus boni iuris (a prova inequívoca do direito, de fato, pareceu distanciar-se da esfera dos Tribunais, com sua mitigação, na forma da fumaça do bom direito, transformando-se no principal requisito para a concessão de uma medida de urgência) e do periculum in mora, isto é, respectivamente, da probabilidade razoável e racional de existência do direito do pleiteante e da situação de urgência, parecia justo o magistrado decidir sem a oitiva da parte contrária, somente a esta concedendo a possibilidade de manifestação após a intimação para cumprimento da tutela antecipada. O instituto não apenas ganhou força, mas também invadiu a Justiça brasileira, com ordens liminares passando a ser cada vez mais proferidas e se transformando em algo um tanto quanto cotidiano nos corredores forenses pátrios. Este cenário, recrudescido, levou à sua continuação e fortalecimento no novo Código de Processo Civil brasileiro, em vigor desde o início de 2016. E toda esta dinâmica e realidade findou, por corolário, por atingir, também e, paralelamente, os Tribunais brasileiros, incluindo os Superiores. As décadas e anos fizeram acumular ordens liminares em Ações e Processos variados, incidentais ou de competência originária de graus mais elevados da jurisdição nacional. Entretanto, tal crescimento acabou por deixar para trás, gradativamente, critérios de decisão mais rígidos e pautados no que, logo no início, acentuou-se: responsabilidade institucional. Por exemplo, que o Supremo Tribunal Federal, há muito, liminarmente e, por meio de seus Ministros, de forma individualizada, profere decisões monocráticas de potenciais consequências jurídicas, políticas, sociais e econômicas, não é novidade. Mas o evolutivo crescimento e não contestação de tais decisões de modo efetivo pelos meios jurídico e social brasileiros, conduziram o país a uma situação peculiar de maciças decisões cautelares sendo tomadas, algumas das quais produtoras de enormes e impactantes efeitos para coletividades variadas, mas sem jamais terem sido submetidas a uma maior legitimação, o que, assevere-se, poder-se-ia construir e estimular por meio de ratificações e confirmações colegiadas. E, para além disso, se o narrado já pode parecer um problema - algo grave e de difícil reparação! - o que dizer do cada vez maior ganho de força de ordens liminares e individuais, emanadas do Supremo Tribunal Federal, com invasões de mérito em questões que ferem a mais basilar separação entre os Poderes? A dita responsabilidade institucional acaba por se esvair, cair por terra, e levar de inseguranças a verdadeiros rompimentos democráticos, absolutamente lesivos ao Estado de Direito brasileiro. Ao ponto de se chegar a situações de descumprimento eficaz de decisão judicial de legalidade e legitimidade questionáveis, quando deveria ser o Judiciário o guardião da Constituição e o Poder a fazer valer o Direito posto, ou seja, aquele constitucionalmente consagrado, a duras penas, neste jovem país, de história tão socialmente desigual e excludente. E isto, mesmo quando amplas maiorias sociais sinalizassem caminho e opinião distintas. Ressalte-se, o Judiciário não existe para assistir a uma maioria e, sim, ao Direito, sobretudo o decorrente, do modo interpretativo mais puro, direto e fidedigno, da Constituição republicana. Afastar presidentes de Casas Legislativas; estipular “revotação” de projetos de lei (PL’s) ou, ainda mais, de Propostas de Emenda à Constituição (PEC’s), por exemplo, já seriam decisões questionáveis e a serem alta e devidamente amparadas por fundamentação que as embasassem em questões estritamente formais e excepcionais. Mas, tomar tais atos e medidas, com fundamentações no chamado mérito, na chamada esfera de atuação material típica de outro Poder e, com cada vez maior frequência, enfraquece – ao invés de fortalecer, como pensam alguns -, a tão importante e essencial atividade jurisdicional. E, enfraquecida esta, ainda mais no cerne da cúpula que a exerce e consolida, restará torcer para que em futuro breve não se precise dizer adeus à democracia nos moldes da que tão arduamente foi construída no Brasil. Que novos ventos soprem sobre a proa e a popa de um navio desgovernado, ora sem, ora com vários comandantes, repleto de avarias e tendo que superar altas tempestades em águas rasas e profundas, costeiras e em alto mar. O navio de nome Brasil. B, L.